A conscientização de que consumir álcool pode aumentar o risco de desenvolver câncer vem crescendo há alguns anos. Agora, uma pesquisa proveniente de um estudo com camundongos sugere uma explicação sobre como isso pode acontecer – beber álcool pode levar a danos no DNA das células-tronco.
Ao observar que alguns tipos de câncer estão associados ao dano ao DNA de células-tronco, o autor principal Dr. Ketan J. Patel, Laboratory of Molecular Biology, Cambridge Biomedical Campus, Reino Unido, disse:
“Enquanto alguns danos ocorrem por acaso, nossos resultados sugerem que consumir álcool pode aumentar o risco desse dano”.
A pesquisa foi publicada on-line em 3 de janeiro na Nature.
No estudo, observou-se que animais que não tinham uma enzima-chave envolvida no processamento dos subprodutos metabólicos do consumo de álcool, bem como animais sem uma proteína-chave de reparo de DNA, sofreram danos ao DNA após a exposição a pequenas doses de etanol. Os pesquisadores observaram cromossomos rearranjados e sequências de DNA permanentemente alteradas.
“Nosso estudo destaca que não ser capaz de processar o álcool de forma eficaz pode levar a um risco ainda maior de danos ao DNA relacionados ao álcool e, portanto, certos tipos de câncer”, disse o Dr. Patel em uma declaração.
No blog científico da Cancer Research UK, o Dr. Patel afirmou que, em ratos que não tinham a enzima que metaboliza o acetaldeído, ele e seus colaboradores “observaram enormes danos ao DNA” após apenas uma dose de etanol. O acetaldeído é o principal produto metabólico do álcool.
“Fragmentos de DNA foram excluídos, alguns foram quebrados e até observamos partes de cromossomos sendo movidos e rearranjados”, acrescentou.
O Dr. Patel observou: “Embora não tenhamos avaliado se esses camundongos tiveram câncer ou não, estudos anteriores mostraram que o tipo de dano ao DNA que observamos nesses camundongos pode aumentar consideravelmente o risco de câncer”.
Linda Bauld, especialista em prevenção do câncer da Cancer Research UK, que também é professora de políticas de saúde na University of Stirling, comentou no comunicado de imprensa: “Esta pesquisa instigante destaca o dano que o álcool pode fazer às células, custando a algumas pessoas mais do que apenas uma ressaca”.
“Sabemos que o álcool contribui para mais de 12.000 casos de câncer no Reino Unido a cada ano, então é uma boa ideia pensar em reduzir o quanto se bebe”, disse ela.
Detalhes da pesquisa
Acredita-se que os efeitos tóxicos do álcool são causados pela oxidação dele a acetaldeído, que é altamente reativo ao DNA, explicam os pesquisadores.
Embora o acetaldeído seja oxidado a acetato pela enzima aldeído desidrogenase 2 (ALDH2), aproximadamente 540 milhões de pessoas carreiam um polimorfismo no gene ALDH2 que está associado a reações adversas ao álcool, e a aumento do risco de câncer de esôfago.
Apesar disso, muitos indivíduos com deficiência de ADLH2 toleram álcool, potencialmente por causa dos efeitos protetores da proteína de reparo do DNA FANCD2. Na verdade, a deficiência de FANCD2 leva à anemia de Fanconi, que causa desenvolvimento anormal, insuficiência da medula óssea e câncer.
Com a hipótese de que pelo menos algum dano causado pelo álcool ocorre nas células-tronco hematopoiéticas (CTHs), e observando que humanos e camundongos que não têm fatores de reparo de DNA estão sob risco de perda de CTH, a equipe realizou uma série de experimentos em camundongos que não tinham os genes ALDH2 e/ou FANCD2, juntamente com animais de tipo selvagem.
Os pesquisadores administraram soluções diluídas de etanol, por meio de injeções ou na água. Eles então realizaram análise de cromossomo e sequenciamento de DNA para avaliar o impacto do acetaldeído na expressão genética na medula óssea, no baço e no sangue, bem como nas populações de células-tronco hematopoiéticas.
A equipe observou que em camundongos ALDH2-negativos, a exposição aos aldeídos estimulou o reparo da recombinação, que não foi observado em animais negativos ao FANCD2, sugerindo que a desintoxicação é o principal mecanismo para a prevenção do dano do DNA.
Os resultados também mostraram que, quando os aldeídos causam danos, as células empregam mecanismos de reparo de recombinação homóloga e crosslink.
Pesquisas adicionais indicaram que, apesar da recombinação homóloga, a via de reparo crosslink da anemia de Fanconi é necessária para evitar quebras de cromossomos e perda da homeostasia no sangue.
Além disso, os pesquisadores observaram que, na ausência desse mecanismo de reparo, era necessário um reparo não-homólogo de terminações no sistema hematopoiético do camundongo para resistir ao dano endógeno e ao dano ao DNA induzido por acetaldeído.
Eles descobriram que as células-tronco hematopoiéticas de camundongos que não tinham os genes ALDH2 e FANCD2 estavam gravemente comprometidas funcionalmente, e compartilhavam características com células envelhecidas.
O dano pelo aldeído em células-tronco hematopoiéticas destes camundongos causou várias alterações entre cromossomos, incluindo uma média de dois rearranjos por genoma, mediada pelas quebras mutagênicas de dupla-fita de DNA em terminações, em comparação com células controle.
A equipe descobriu que o dano ao DNA causado por aldeídos induziu o p53, resultando em desgaste das células-tronco hematopoiéticas. Embora a deleção do p53 tenha resgatado completamente a depleção das células-tronco hematopoiéticas, não alterou o padrão ou a intensidade da instabilidade do genoma em células-tronco individuais.
“Nosso trabalho implica que a relação entre p53, reparo do DNA, e estabilidade do genoma, é mais complexa nas células-tronco do que o anteriormente considerado”, afirma a equipe. Os pesquisadores observam que os resultados têm implicações para indivíduos em quem a atividade de ALDH2 é deficiente.
“De forma mais geral, esta pesquisa fornece uma explicação plausível e simples para a associação epidemiológica estabelecido entre o consumo de álcool e o aumento do risco de câncer”, acrescentam.
A pesquisa foi financiada por Cancer Research UK, Wellcome, e Medical Research Council. O Dr. Patel recebe financiamento de Medical Research Council e Jeffrey Cheah Foundation. Dois coautores receberam financiamento de Cancer Research UK, e um coautor foi financiado por Wellcome Trust e King’s College, Cambridge.
Nature. Publicado on-line 3 de janeiro de 2017. Resumo