Lembro me de um plantão no CTI Covid-19 em que dos seis leitos que tínhamos, três pacientes estavam com alguma coagulopatia. Um deles evoluiu com choque hemorrágico assim que assumi o plantão por hemorragia digestiva baixa. Desde então, comecei a ficar profundamente incomodada com as anticoagulações e passei a acompanhar mais de perto as publicações sobre o tema.
Observa-se altos níveis de D-dímero em pacientes com Covid-19. Há também evidências de muitos casos de tromboembolismo venoso (TEV) e tromboembolismo arterial, bem como casos descritos de trombose microvascular e coagulação de circuitos e acessos vasculares.
Em resposta a esta tendência pró-trombótica, algumas instituições aconselharam terapêutica empírica ou anticoagulação em dose intermediária, com o entendimento de que as taxas de sangramento foram percebidas como baixas em estudos retrospectivos anteriores.
Recentemente, tivemos mais um importante estudo publicado na Blood a respeito do tema, que levanta a questão que me incomodou durante meu plantão: pacientes com Covid-19 têm risco aumentado de sangramento?
Coagulopatia na Covid-19
Para examinar mais detalhadamente as taxas de trombose e sangramento em pacientes com Covid-19, os pesquisadores conduziram um estudo multicêntrico retrospectivo envolvendo 400 pacientes Covid-19 hospitalizados tratados com doses padrão de anticoagulação profilática.
Dentre estes, 114 foram considerados gravemente enfermos. As principais descobertas incluíram:
- A taxa de TEV confirmado radiograficamente foi de 4,8% no geral, 7,6% em pacientes graves e 3,1% em pacientes não graves;
- A taxa de tromboembolismo arterial foi de 2,8% no geral, 5,6% em pacientes graves e 1,2% em pacientes não graves;
- A taxa de sangramento foi de 4,8% no geral, 7,6% em pacientes graves e 3,1% em pacientes não graves;
- A trombose foi prevista pelo nível elevado de D-dímero na admissão (> 2500 ng/mL; odds ratio, 6,79), bem como por trombocitopenia e elevação de PCR e VHS;
- O sangramento foi previsto por níveis elevados de dímero-D na admissão (> 2500 ng/mL; OR, 3,56) e por excesso de trombocitopenia.
Mensagem pratica
- No estudo, a infecção pelo SARS-CoV-2 estava associada a taxas semelhantes de trombose e sangramento observadas em pacientes hospitalizados com graus semelhantes de gravidade de doença. Este achado ainda não havia sido relatado anteriormente.
- Os dados sugerem que a intensificação empírica da anticoagulação, mesmo em pacientes gravemente enfermos com Covid-19, deve ser realizada com cautela.
- Vale ressaltar as limitações intrínsecas do estudo, já que se trata de uma coorte retrospectiva. Neste contexto, este estudo justifica a realização de ensaios clínicos randomizados adicionais para determinar a intensidade ideal de anticoagulação para pacientes com Covid-19 hospitalizados.