O uso de terapia de reposição hormonal (TRH) em mulheres na pós-menopausa não aumentou o risco de morte por causas cardiovasculares, câncer ou por todas as causas quase duas décadas após os ensaios da Women’s Health Initiative (WHI), mostra uma nova análise.
Os novos dados foram publicado on-line em 12 de setembro no JAMA.
A equipe de pesquisa incluiu muitos dos mesmos pesquisadores que conduziram os ensaios originais: o estudo do estrogênio com progesterona publicado em 2002, e o estudo com estrogênio isolado publicado em 2004.
“Para mim, a mensagem que fica é muito consistente com o que dissemos antes”, afirmou ao Medscape Garnet Anderson, coautora nesse estudo e um dos pesquisadores principais dos estudos originais da WHI. “Quando avaliamos a mortalidade por todas as causas na conclusão dos primeiros estudos, não havia diferenças. Agora, anos depois e com mais dados, continuamos não observando diferenças”.
Os pesquisadores conduziram um acompanhamento das participantes dos dois estudos da WHI por até 18 anos. Esses estudos incluíram 16.608 mulheres com útero que foram aleatoriamente alocadas para receber estrogênio mais progesterona (estrogênio equino conjugado na dose de 0,625mg/dia e acetato de medroxiprogesterona na dose de 2,5mg/dia) ou um placebo, e 10.739 mulheres com história de histerectomia que foram aleatoriamente inscritas para receber estrogênio isoladamente ou placebo.
As mulheres participantes, com idades de 50 a 79 anos, e 80,6% delas brancas, foram recrutadas de 40 centros clínicos nos EUA entre 1993 e 1998. O estudo do estrogênio isolado incluiu 5310 mulheres tomando estrogênio e 5429 tomando placebo por uma mediana de 7,2 anos. O estudo do estrogênio + progesterona incluiu 8506 mulheres em uso de TRH e 8102 em uso de placebo por uma mediana de 5,6 anos. Depois que os estudos foram finalizados, menos de 4% das mulheres continuou usando qualquer TRH.
Para a atualização da análise de mortalidade, os pesquisadores, liderados pela Dra. JoAnn Manson, professora de medicina na Harvard Medical School e chefe da Divisão de Medicina Preventiva no Brigham and Women’s Hospital, em Boston, tinham dados de mais de 98% das 27.347 mulheres inicialmente recrutadas nos ensaios. O tempo mediano de seguimento foi de 18 anos, e incluiu 7489 óbitos até 31 de dezembro de 2014. Esses óbitos incluem 1088 durante a intervenção e 6401 depois que os ensaios terminaram.
A mortalidade por todas as causas foi semelhante entre todos os grupos: 27,1% nos grupos com TRH combinada e 27,6% nos grupos placebo. Não houve diferença significativa no grupo que recebeu apenas estrogênio (hazard ratio, HR, 0,94; intervalo de confiança, IC, de 95%, 0,88 – 1,01) ou no grupo do estrogênio + progesterona (HR, 1,02; IC de 95%, 0,96 – 1,08) em relação ao placebo.
De forma semelhante, a mortalidade cardiovascular combinada (HR, 1,00; IC de 95%, 0,92 – 1,08) e a mortalidade total por câncer (HR, 1,03; IC de 95%, 0,95 – 1,12) não tiveram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. O risco absoluto para mortalidade cardiovascular combinada foi de 8,9% nos grupos de TRH e de 9,0% nos grupos placebo. Para a mortalidade por câncer, foi de 8,2% nos grupos de TRH e de 8,0% nos grupos placebo.
“É surpreendente que não tenha havido aumento na mortalidade por câncer, dadas as preocupações sobre hormônios e câncer”, disse a Dra. JoAnn ao Medscape. “Parece que a TRH tem uma relação muito complexa com o câncer. Ela aumenta o risco de alguns cânceres, como o de mama, e reduz o risco de outros, como de endométrio e de útero, e o efeito total na mortalidade por câncer é neutro”.
Para a mortalidade específica por câncer de mama, o grupo do estrogênio + progesterona mostrou uma tendência de aumento no risco relativo em relação ao placebo (HR, 1,44; IC de 95%, 0,97 – 2,15; P = 0,07), enquanto o estrogênio isolado mostrou uma redução significativa no risco (HR, 0,55; IC de 95%, 0,33 – 0,92; P = 0,02).
Um ponto-chave esquecido ao considerar os achados dos ensaios originais da WHI é que nenhum dos estudos tinha a intenção de avaliar benefícios e riscos da TRH para tratamento dos sintomas da menopausa. Na verdade, ambos foram desenhados para avaliar os benefícios e riscos da TRH para a prevenção de doenças crônicas, incluindo doença cardiovascular e cânceres, e foram interrompidos precocemente porque ficou claro que a TRH não melhorava os desfechos cardiovasculares.
“Se você irá começar um medicamento com o objetivo de prevenção, e potencialmente para uso em longo prazo, gostaria de ver evidências de que existe alguma redução na mortalidade”, disse a Dra. JoAnn ao Medscape. “No entanto, nosso estudo não fornece embasamento para o uso de terapias hormonais para prevenção de doença cardiovascular ou de outras doenças crônicas.
Essa conclusão, entretanto, é distinta quanto à decisão sobre usar a TRH para tratar os sintomas da menopausa.
“O problema é que os resultados originais da WHI foram mal entendidos e mal interpretados como se fossem aplicados a mulheres que buscam tratamento para os sintomas da menopausa”, continuou a Dra. JoAnn.
“Os resultados da WHI nunca foram pensados para serem extrapolados para mulheres com 40 ou 50 anos que estão buscando terapia hormonal para tratamento dos desconfortáveis fogachos e de outros sintomas que prejudicam o sono e a qualidade de vida”.
Esses achados de mortalidade agora oferecem uma reafirmação para as mulheres e seus médicos de que a TRH é apropriada para tratamento dos sintomas de menopausa, com um perfil positivo de risco e benefício, disse a Dr. JoAnn, que também é ex-presidente da North American Menopause Society.
Entretanto, mesmo esse achado não traz necessariamente respostas simples para todas as mulheres. Aquelas com certos fatores de risco, como história de ou perfil de alto risco para câncer de mama, ou história de trombose, ainda podem descobrir que os riscos da TRH, mesmo para os sintomas da menopausa, podem superar os benefícios para elas individualmente. E a TRH ainda aumenta o risco de acidente vascular cerebral e câncer de mama ao mesmo tempo em que diminui o risco de câncer de endométrio e útero e de fraturas do quadril.
“Nenhum estudo vai ser capaz de responder essa questão para todas as pessoas, mas esse estudo traz os melhores dados para embasar essas discussões”, disse a Dra. Garnet ao Medscape.
“Sim, a mortalidade é uma grande razão para mudar alguma coisa, mas esses outros eventos também são importantes. O câncer de mama pode ser muito desfigurante e afetar a mortalidade, e ter um acidente vascular cerebral aos 60 anos pode ter efeitos maiores na qualidade de vida mesmo que não afete a mortalidade”.
Ainda assim, saber que a mortalidade por todas as causas não aumenta nem diminui com o uso da TRH é uma informação útil para mulheres e médicos, disse a Dra. JoAnn. “O problema é, você não pode olhar um desfecho único isoladamente. Acho que esse é o verdadeiro ponto-chave. A terapia hormonal tem um efeito complexo na saúde”.
Em um editorial de acompanhamento, a Dra. Melissa McNeil, da University of Pittsburgh, na Pennsylvania, destacou essa complexidade.
“Embora os dados de longo prazo sobre mortalidade cumulativa total e causa-específica dos dados combinados de usuárias em relação a não usuárias de hormônio sejam convincentes e reconfortantes, várias questões permanecem”, escreve a Dra. Melissa. “Talvez a questão mais desafiadora é se existe uma diferença na mortalidade global por idade e condição de menopausa no momento do início da terapia hormonal”.
A equipe da Dra. JoAnn calculou um risco de mortalidade estratificado pela idade na qual as mulheres iniciaram o uso de TRH e inicialmente descobriram, durante a intervenção, que mulheres que começaram a TRH com idades entre 50 e 59 anos tinham um risco 29% menor de morte que mulheres que começaram entre os 70 e 79 anos (HR, 0,61; IC de 95%, 0,43 – 0,87). O seguimento de longo prazo, porém, diminuiu essa redução de forma que ela perdeu significado estatístico (HR, 0,87; IC de 95%, 0,76 – 1,00).
“Essa redução na mortalidade… permanece sugestiva, mas não definitiva”, escreve a Dra. Melissa. “Outras questões que permanecem incluem o tempo ótimo de duração da terapia hormonal, e se um início ainda mais precoce da terapia hormonal, como dentro de dois anos da transição da menopausa, teria benefícios adicionais”.
O estudo foi financiado por National Heart, Lung, and Blood Institute, National Institutes of Health, e pelo US Department of Health and Human Services, com medicamentos doados pela Wyeth Ayerst. O Dr. LaCroix relata taxas da Sermonix por trabalho em comitê científico e como consultor da Pfizer. O Dr. Chlebowski recebeu taxas de consultoria ou honorátios de Novartis, Genentech, Amgen, Astra-Zeneca, Novo Nordisk, e Genomic Health, assim como honorários para revisão de artigos da Pfizer, taxas de leitura da Novartis, e taxas por atividades educacionais do Educational Concepts Group. Os demais autores não declararam conflitos de interesses relevantes.
JAMA. 2017;318:911-913, 927-938. Artigo