#Neuropatia pós-QT para #câncer de mama pode durar anos

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Liam Davenport

Pacientes com câncer de mama em estágio inicial que fazem quimioterapia (QT) adjuvante podem apresentar neuropatia periférica, mesmo anos após a conclusão do tratamento, resultando no comprometimento da qualidade de vida, dizem pesquisadores norte-americanos, instando os médicos a considerarem a repercussão prolongada de suas escolhas terapêuticas.

Após uma revisão sistemática das evidências atuais sobre neuropatia periférica no câncer de mama em estágio inicial ter apresentado poucas informações valiosas, a equipe estudou dados de mais de 1.500 mulheres que receberam várias combinações de quimioterapia adjuvante como parte de um ensaio clínico randomizado.

Os pesquisadores descobriram que as mulheres que receberam doxorrubicina e docetaxel adjuvante, ou doxorrubicina, ciclofosfamida e docetaxel concomitantes, em vez de um esquema de doses cumulativas mais elevadas de docetaxel, apresentaram aproximadamente metade da probabilidade de ter neuropatia periférica grave e prolongada, desfecho este associado a diminuição importante da pontuação nas escalas de qualidade de vida.

A revisão sistemática e o estudo foram publicados on-line em 24 de agosto no periódico Journal of the National Cancer Institute.

A Dra. Patricia Ganz, médica e diretora do Center for Cancer Prevention and Control Research no Jonsson Comprehensive Cancer Center da University of California, Los Angeles, e autora dos dois artigos, disse: “Há muito pouco tratamento para a neuropatia, e não há nada que comprovadamente funcione de fato”.

   Como não temos nenhum tratamento eficaz, idealmente, o melhor seria evitar que isso acontecesse.Dra. Patricia Ganz

“Como não temos nenhum tratamento eficaz, idealmente, o melhor seria evitar que isso acontecesse, não prescrevendo determinado esquema quimioterápico se for provável que este tenha pouquíssimo benefício adicional”, continuou a pesquisadora.

“Alternativamente, esta classe de quimioterápicos pode ser evitada nas pacientes com maior risco de neuropatia persistente. No mínimo, as pacientes precisam ser informadas sobre a probabilidade de os sintomas persistirem”, disse a Dra. Patricia em um comunicado à imprensa.

Os achados também destacam a necessidade de novas pesquisas sobre a neuropatia periférica e o impacto de outros esquemas quimioterápicos, de modo a identificar quais terapias podem erradicar o câncer sem resultar em comprometimento da qualidade de vida em longo prazo.

A coautora Dra. Joy Melnikow, médica e diretora do Center for Healthcare Policy and Research da University of California, em Davis, disse que estas descobertas são uma “chamada à ação”.

“Não podemos definir inequivocamente a frequência da neuropatia periférica, ou compreender as diferenças entre os esquemas quimioterápicos com os dados dos quais dispomos”, comentou a Dra. Joy.

“Esta questão dos efeitos adversos entre as pacientes que sobrevivem ao câncer vai além da neuropatia periférica. Existem outros efeitos que precisam ser considerados no momento em que as mulheres tomam decisões sobre o próprio tratamento”, acrescentou a pesquisadora.

Revisão mostrou escassez de dados disponíveis

Para examinar as atuais evidências sobre a incidência e a prevalência de neuropatia periférica entre as mulheres que fazem quimioterapia adjuvante para o câncer de mama em estágio inicial, e o impacto dela nos desfechos e na qualidade de vida informados pelas pacientes, os autores pesquisaram os bancos de dados MEDLINEPubMedEmbasee a Cochrane Library em busca de estudos relevantes publicados entre 1990 e 2016.

Os pesquisadores se concentraram nos esquemas adjuvantes atuais com antraciclinas, taxanos, e compostos de ciclofosfamida e platina. Inicialmente, foram identificados 364 artigos; foram considerados 60 artigos com texto completo, dos quais apenas cinco continham dados sobre desfechos durante pelo menos o primeiro ano subsequente ao diagnóstico.

Usando a Newcastle-Ottawa Scale para estudos não randomizados, e os critérios de Cochrane para os ensaios clínicos randomizados, a equipe classificou três publicações, detalhando dois estudos, como sendo de boa qualidade e duas como de qualidade razoável.

   A descoberta mais marcante da revisão foi a pequena quantidade de dados disponíveis.Dra. Joy Melnikow

A Dra. Joy observou: “A descoberta mais marcante da revisão foi a pequena quantidade de dados disponíveis. E esses estudos informam uma ampla gama de frequência de neuropatia periférica, de apenas 11% a mais de 80% das pacientes, durante um a três anos após o tratamento”.

Os pesquisadores constataram haver um alto grau de variabilidade nos estudos. Identificaram ainda seis medidas diferentes usadas para avaliar a neuropatia periférica, bem como grandes variações de desenho de estudo, esquemas quimioterápicos utilizados, posologias, variáveis capturadas, tempo de acompanhamento e medidas de desfecho.

Foco em um grande ensaio clínico

Para obter uma imagem mais clara da repercussão da neuropatia periférica prolongada entre as pacientes com câncer de mama, os pesquisadores se concentraram em um grande ensaio clínico, examinando os dados do National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project Protocol B-30, no qual mulheres com câncer de mama em estágio inicial com linfonodo positivo foram designadas aleatoriamente em uma proporção de 1: 1: 1 a um dos seguintes esquemas:

  • quatro ciclos de doxorrubicina 60 mg/m2 com ciclofosfamida 600 mg/m2 a cada três semanas, seguidos de quatro ciclos de docetaxel 100 mg/m2  a cada três semanas (AC → T);
  • quatro ciclos de doxorrubicina 60 mg/m2 com ciclofosfamida 600 mg/m2, com docetaxel 60 mg/m2 a cada três semanas (ACT); ou
  • quatro ciclos de doxorrubicina 60 mg/m2 com docetaxel 60 mg/m2 a cada três semanas (AT).

A qualidade de vida foi avaliada utilizando o Functional Assessment of Cancer Therapy-Breast Trial Outcome Index ao início do estudo, durante a quimioterapia, e nas consultas de acompanhamento aos seis, 12, 18 e 14 meses.

Os sintomas foram estimados usando a lista de verificação de sintomas Breast Cancer Prevention Trial, com determinação da gravidade da neuropatia periférica a partir da resposta a uma pergunta sobre o quanto as pacientes se sentiam incomodadas pela sensação de dormência ou formigamento nas mãos ou nos pés.

Das 5.351 pacientes, 2.156 foram incluídas no subestudo da qualidade de vida, e 2.051 pacientes foram elegíveis para a análise. Não houve diferenças significativas entre os grupos terapêuticos em termos de características demográficas e tumorais.

Ao início do estudo 18,5% das pacientes referiram neuropatia periférica, 15,8% no grupo AC → T, 20,7% entre as pacientes tratadas com ACT e 19,1% das pacientes tratadas com AT.

Aos dois anos havia dados completos disponíveis sobre 1.512 pacientes. Destas, 41,9% informaram neuropatia periférica, com 10,3% referindo sintomas graves. As pacientes tratadas com AC → T tiveram maior índice de neuropatia periférica do que as pacientes nos outros grupos terapêuticos, 49,8% contra aproximadamente 35%.

Pela análise univariada, os fatores associados à gravidade da neuropatia periférica aos 24 meses foram idade da paciente, índice de massa corporal (IMC), menopausa, esquema quimioterápico utilizado, existência de sintomas de neuropatia ao início do estudo, tipo de cirurgia, realização de radioterapia, e classificação dos linfonodos.

A análise multivariada revelou que, em comparação ao AC → T, os esquemas ACT e AT foram associados a menor risco de neuropatia periférica grave e prolongada, com odds ratios (ORs) de 0,59 e 0,45, respectivamente (P < 0,001).

A neuropatia periférica ao início do estudo esteve associada a um risco significativamente maior de sintomas prolongados, com OR de 2,67 (< 0,001). Idade de pelo menos 50 anos (= 0,005), comprometimento de ≥ 4 linfonodos (= 0,01), realização de mastectomia em vez de tumorectomia (= 0,002) e IMC ≥ 25 kg/m2 (< 0,001) também foram associados a maior risco de neuropatia prolongada.

Os pesquisadores observaram que a neuropatia prolongada de maior gravidade foi associada significativamente a pior qualidade de vida (P < 0,001, para a tendência), com pontuações variando de 57,9 entre as pacientes que se sentiam “muito” incomodadas pela neuropatia periférica, a 76,79 entre aquelas sem sintomas.

Os autores concluem que “os menores índices de neuropatia periférica nas pacientes que receberam os esquemas de doxorrubicina adjuvante e docetaxel ou doxorrubicina, ciclofosfamida e docetaxel concomitantes, ambos contendo doses cumulativas mais baixas de docetaxel, podem ser um fator importante para embasar a escolha desses esquemas para pacientes com sintomas neuropáticos preexistentes ou outros fatores de risco de neuropatia, porque as diferenças nos desfechos de sobrevida e ausência de doença nos ensaios com estes esquemas foram de magnitude modesta em comparação com o esquema de taxano com doses mais elevadas.

“A escolha do esquema quimioterápico” deve incluir a consideração dos efeitos adversos prolongados e a tomada de decisões esclarecidas, que incluam as pacientes no processo decisório”, acrescentam.

Esta revisão foi subsidiada por um contrato do National Cancer Institute, pelos National Institutes of Health e pela Breast Cancer Research Foundation. O estudo foi financiado pelos National Institutes of HealthNational Cancer Institute (NCI), Department of Health and Human ServicesPublic Health Service,Breast Cancer Research Foundation e por meio de um contrato do NCI.

A Dra. Patricia Ganz é membro do Conselho Consultivo Científico da Breast Cancer Research Foundation. Um dos coautores tem vários vínculos com a indústria farmacêutica, conforme listado no artigo publicado.

J Natl Cancer Inst. Publicado on-line em 24 de agosto de 2017. Resumo da revisão; Resumo do estudo

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