pré-exposição ao HIV

Programa brasileiro de profilaxia pré-exposição ao HIV deve começar em 180 dias

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Ruth Helena Bellinghini

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou em 25 de maio o uso do Truvada para prevenção de infecção por HIV, abrindo caminho para a implementação no Brasil da profilaxia Pré-Exposição (PrEp), recomendação adotada pela Organização Mundial da Saúde desde 2012. O Truvada combina dois antirretrovirais (fumarato de tenofovir desoproxila e emtricitabina) em um comprimido e integra o coquetel de drogas antiaids. “Ambos são inibidores da transcriptase reversa e impedem a reprodução do HIV e sua eficiência também na prevenção foi demonstrada por um estudo hoje clássico, o iPrex [1] [2] , realizado entre 2007 e 2012,” explicou o infectologista Dr. Ricardo de Paula Vasconcelos, coordenador do SEAP-HIV, ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador médico dos projetos PrEP Brasil.

A pesquisa com o Truvada como profilático teve início em 2007, no Peru e Equador e, no ano seguinte, foi ampliado para Brasil, Estados Unidos, África do Sul e Tailândia. De acordo com o Dr.  Vasconcelos, no Brasil, o estudo envolveu 500 pessoas de grupos considerados de alta vulnerabilidade, como casais sorodiscordantes (em que um é portador do HIV e o outro não), homens que fazem sexo com outros homens, transgêneros e travestis e profissionais do sexo. “A nossa pesquisa foi feita inicialmente em São Paulo e Rio e, mais tarde, ampliada para Porto Alegre e Manaus, que são as duas cidades com maior taxa de incidência de aids no País”, afirmou em entrevista ao Medscape. De acordo com dados do governo, Rio e São Paulo têm o maior número de casos de aids em números absolutos, mas Manaus e Porto Alegre têm o maior número de novos casos por 100 mil habitantes, ou seja, é onde a doença mais avança — Porto Alegre por causa do uso de drogas injetáveis e Manaus pela dificuldade de acesso a atendimento de saúde.

Segundo o Ministério da Saúde, o PrEP vai envolver no primeiro ano, cerca de sete mil pessoas em 12 cidades (Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Manaus, Brasília, Florianópolis, Salvador e Ribeirão Preto) a um custo inicial de US$ 1,9 milhão, para compra de 2,5 milhões de comprimidos. Para ser aceito no programa, não basta o paciente se encaixar numa dessas populações mais vulneráveis. “Uma série de critérios deve ser levada em conta antes da indicação da PrEP, como o número de parceiros sexuais, os outros métodos de prevenção utilizados, o compromisso com a adesão ao medicamento, entre outros”, disse em comunicado à imprensa a diretora do Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis , Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Dra. Adele Benzaken.

Para o Dr. Vasconcelos, a PrEP é uma estratégia de redução de danos. “Não vivemos num mundo ideal em que as pessoas desses grupos de alta vulnerabilidade usam camisinha em 100% das relações. É comum, algumas pessoas dizerem que esquecem de usar quando bebem um pouco por exemplo. Na nossa pesquisa, 60% das pessoas consultadas se mostraram dispostas a tomar o medicamento diariamente como forma de prevenção, sem abandonar outras estratégias, enquanto permanecem em situação de vulnerabilidade. Alguns dos participantes, por exemplo, deixaram de frequentar saunas ou se casaram, deixando o grupo de maior vulnerabilidade e saindo do programa”, explicou.

Existem preconceitos que fazem as pessoas não aderir ao programa, como, por exemplo, o receito de tomar uma medicação “sem necessidade” e receio sobre efeitos colaterais. “Os problemas mais comuns no primeiro mês de uso é refluxo e dor de estômago, que somem depois desse período. O mais grave são os casos de problemas renais, mas é preciso lembrar que essas pessoas precisam passar por exames a cada três meses, inclusive para monitorar outras infecções sexualmente transmissíveis. Os temores de desenvolvimento de resistência ao medicamento também não se justificam: há apenas quatro relatos do gênero na literatura médica mundial,” disse o Dr. Vasconcelos.

O Ministério da Saúde tem agora prazo de 180 dias para colocar o programa em prática. “Sempre vai haver gente que não vai usar camisinha. Por isso, é preciso ter à mão diferentes estratégias, porque a melhor delas é aquela que a pessoa escolhe, se sente confortável e adere a ela,” concluiu o Dr. Vasconcelos.