#Ajudando as #mulheres a entenderem seu risco real de #infecção por HIV

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Heather Boerner

Milão — Para dimensionar o risco real de uma mulher adquirir o HIV, você precisa saber mais do que o comportamento sexual e a história de doenças sexualmente transmissíveis (DST) dela. Você também precisa de informações sobre o parceiro dela, e sobre a prevalência do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV, do inglês Human Immunodeficiency Virus) no local onde ela mora, disse uma especialista na 16th European AIDS Conference.

Estas informações podem identificar as mulheres vulneráveis que permanecem invisíveis: aquelas cujo risco de contrair a infecção pelo HIV não decorre do próprio comportamento, mas sim das circunstâncias de vida, disse a Dra. Nneka Nwokolo, médica do Chelsea and Westminster Hospital, em Londres.

“As mulheres precisam compreender com clareza os seus riscos”, disse a Dra. Nneka para a plateia lotada, e”os profissionais de saúde ocupam um lugar privilegiado para ajudá-las neste sentido”.

Em grande parte do mundo, as diretrizes da profilaxia pré-exposição (PrEP, do inglês Pre-Exposure Prophylaxis) visam os riscos explícitos: os comportamentos dos próprios pacientes que podem torná-los vulneráveis ao HIV. Isso costuma incluir os homens que fazem sexo com homens, os profissionais do sexo, as pessoas que tem múltiplos parceiros sexuais, e aquelas que não usam preservativos. Pode ser por isso que algumas diretrizes de profilaxia pré-exposição, como as diretrizes suíças, simplesmente não incluam as mulheres.

Nas diretrizes europeias,”há pouquíssimas orientações sobre quando recomendar a profilaxia pré-exposição para mulheres”, disse a Dra. Nneka.

Nos Estados Unidos, as mulheres heterossexuais com alto risco de HIV são levadas em conta nas diretrizes de implementação da PrEP. As diretrizes norte-americanas recomendam que os médicos determinem o risco indagando à mulher se o parceiro dela tem HIV, se ela tem vários parceiros sexuais, se o uso de preservativos é inconstante ou inexistente, se ela é profissional do sexo, ou se teve recentemente alguma doença bacteriana sexualmente transmissível.

Mas as diretrizes não mencionam os riscos aos parceiros das mulheres.

O parceiro põe em risco

“Existe essa noção, que me parece muito prevalente, até mesmo entre os profissionais de saúde, de que certos tipos de mulher não podem contrair HIV”, disse a Dra. Nneka ao Medscape.

“Por que nos obstinamos a ignorar o fato de que existem todas essas mulheres que não se enquadram nas categorias de risco tradicionais — não são negras, não são usuárias de drogas injetáveis, não têm relações sexuais com um múltiplos parceiros — e têm HIV?”

Para ilustrar os riscos velados que as mulheres enfrentam, a Dra. Nneka apresentou um conjunto de estudos de caso durante o workshop Women Against Viruses in Europe (WAVE).

Em um desses casos, a Dra. Nneka contou a história de Precious, uma mulher casada, com 35 anos de idade, com dois filhos, e que vive em Londres, mas é originária da Nigéria. Ela só tem relações sexuais com o marido, e eles não usam preservativos. Ela teve um resultado negativo para o HIV há sete anos quando deu à luz o filho caçula. A história de doenças sexualmente transmissíveis dela não é conhecida.

A Dra. Nneka também contou a história de Maria, uma mulher heterossexual de 25 anos de idade, branca, que mora em Londres. Maria teve seis parceiros casuais nos últimos seis meses e raramente usa preservativos. Ela teve infecção por clamídia no passado e tem herpes genital.

“Então, qual delas seria uma boa candidata à profilaxia pré-exposição?” a Dra. Nneka perguntou à plateia. Os participantes votaram por meio de um pequeno dispositivo eletrônico. Ninguém achou que Precious deveria fazer profilaxia pré-exposição, um quarto dos participantes achou que Maria deveria fazer a profilaxia, e cerca de um terço considerou que as duas teriam indicação de fazer PrEP.

Por causa do contexto de sua vida sexual, Precious pode estar em maior risco de contrair HIV do que Maria, explicou a Dra. Nneka.

“É importante reconhecer que muitos parceiros de mulheres negras africanas, que representam a maioria das mulheres com infecção pelo HIV no Reino Unido, têm outros parceiros”, disse a Dra. Nneka. “Então, o maior risco de infecção pelo HIV entre as mulheres negras africanas, certamente no Reino Unido, é o próprio parceiro”.

Estas mulheres são duplamente expostas ao perigo pelas circunstâncias, acrescentou a médica. Não somente os parceiros delas podem ter relações sexuais fora do relacionamento, como as próprias mulheres podem achar que não podem exigir o uso do preservativo ou recusar a relação sexual.

Essas mulheres”podem não pensar sobre o próprio risco de adquirir HIV por não perceberem o quanto isso foge inteiramente do controle delas. Assim sendo, elas não pensam no assunto e torcem para dar tudo certo”, indicou a Dra. Nneka.

Onde o sexo acontece

Maria, que tem todos os marcadores de risco individuais de exposição ao HIV, pode não estar em risco, pelo menos não em Londres.

A infecção pelo HIV é”bem pequena” entre os heterossexuais no Reino Unido, relatou a Dra. Nneka.

No entanto, se Maria vivesse na Ucrânia, onde os índices de HIV são de 20% entre os heterossexuais que usam drogas injetáveis, ela poderia ser uma boa candidata à profilaxia pré-exposição. E se ela vivesse em uma região com uma grande prevalência de HIV não diagnosticado e não tratado, o comportamento dela a colocaria em alto risco contrair o vírus.

Nos Estados Unidos, as diretrizes levam esses riscos em conta e determinam que”os médicos devem considerar o contexto epidemiológico das práticas sexuais informadas pelos pacientes”, explicou a Dra. Nneka.

Isto é importante porque em algumas regiões, particularmente nos estados do sul, a incidência de HIV é muito elevada e o diagnóstico costuma ser tardio, o que significa que as pessoas podem estar namorando e tendo relações sexuais sem se dar conta de que estão infectadas pelo vírus.

Falando de risco

“A apresentação foi instigante e realmente nos confronta com as limitações da nossa própria percepção sobre o risco da paciente”, disse a Dra. Karoline Aebi-Popp, médica da Universität Bern, na Suíça”.

“Os médicos precisam fazer uma história sexual completa, incluindo não somente o número de parceiros, como também informações sobre as práticas sexuais mantidas com eles, e de onde esses parceiros são”.

Mas a sugestão de que as mulheres de origem africana sejam mais propensas a contrair o HIV de um único parceiro (que por sua vez tem outros parceiros) foi um pouco longe demais para a Dra. Annette Haberl da Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main, na Alemanha, que informa atender muitos casais de origem africana.

“Pode ser assim se olharmos caso a caso. Precious pode estar em uma situação na qual ela precisa de PrEP, mas eu não sei se isso é tão diferente dos casais de outras origens étnicas”, disse a Dra. Annette ao Medscape.

O objetivo, segundo a Dra. Nneka, não é convencer uma mulher como a Precious de que ela precisa fazer profilaxia pré-exposição; é o de iniciar uma conversa sem estigmas e introduzir a ideia de que a PrEP também tem indicação para as mulheres.

Se uma mulher vir o parceiro sair com outra namorada, isso pode fazê-la pensar em usar a profilaxia pré-exposição, explicou.

“Cabe a nós, como profissionais de saúde, encorajar as mulheres a conhecer os próprios riscos e apoiá-las no acesso à PrEP”, acrescentou a Dra. Nneka.

A Dra. Nneka Nwokolo informou ter recebido financiamento da ViiV Healthcare, da Gilead Sciences e da Janssen. A Dra. Karoline Aebi-Popp informou não ter relações financeiras relevantes ao tema. Falta o disclosure da Dra. Annette Haberl.

16th European AIDS Conference. Apresentado em 25 de outubro de 2017.

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