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#HIV: #profilaxia pré-exposição ao HIV não deve ser ofertada no Brasil por livre demanda, diz pesquisadora

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Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

A profilaxia pré-exposição (PrEP) como uma medida preventiva para o HIV vem sendo discutida em diferentes países. O tema foi discutido também no Brasil no recente STI & HIV World Congress, em julho no Rio de Janeiro, onde pesquisadores brasileiros e estrangeiros discutiram a oferta de PrEP por livre demanda, apontando eventuais prós e contras de adotar a medida. Para a Dra. Beatriz Grinsztejn, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no contexto brasileiro, a estratégia não é uma opção adequada.

Um dos primeiros registros na literatura sobre PrEP on demand (do inglês, PrEP por livre demanda) foi no estudo francês Intervention Préventive de l’Exposition aux Risques avec et pour les Gays (IPERGAY). No regime sob demanda, em vez de receber uma dose de medicamento diária, os participantes tomavam a medicação antes (de duas a 24 horas) e depois de fazerem sexo (24h após a primeira medicação e outra dose 24h depois)[1]. Essa percepção do sujeito como proativo, ou seja, alguém capaz de buscar a medicação quando julga necessário, foi contrastada, durante o debate, com a ideia do indivíduo passivo, que é designado para receber um esquema terapêutico predeterminado. O regime de tratamento recomendado pelo Ministério da Saúde é o uso diário de um comprimido de tenofovir associado à entricitabina (TDF/FTC 300/200mg)[2].

Existem, no entanto, diferentes argumentos que apoiam o uso de PrEP por livre demanda. Para o Dr. Matthew Golden, da University of Washington (EUA), defender essa estratégia não significa apoiar uma abordagem não orientada. Ao contrário, é defender que “a maioria daqueles que desejam fazer uso de PrEP tenham uma boa indicação para, de fato, recebê-la”. A decisão quanto à forma de ofertá-la, segundo o pesquisador, deve levar em consideração os diferentes contextos, atentando, por exemplo, se o país é de alta, baixa ou média renda, e se há epidemias concentradas ou generalizadas de HIV.

As diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) destacam que a PrEP oral contendo tenofovir disproxil fumarato (TDF) deve ser ofertada como uma opção de prevenção adicional para pessoas em risco substancial de infecção por HIV como parte de abordagens de prevenção de HIV combinadas[3].

Segundo as diretrizes dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dados de 2015 dos Estados Unidos apontam que, entre homens que fazem sexo com outros homens (HSH), cerca de 25% têm indicação para PrEP. Essa taxa cai para aproximadamente 18% quando se trata de indivíduos que usam drogas injetáveis e para 0,4% no caso de adultos heterossexuais[4].

Estudos feitos nos Estados Unidos com dados de farmácias revelam que 97% dos usuários de PrEP são homens[5], porém não foi possível determinar a preferência sexual dos mesmos. Para o Dr. Golden, entretanto, os dados são consistentes com a ideia de que essa profilaxia tem sido amplamente utilizada principalmente por HSH.

Segundo o palestrante, a estratégia de PrEP por livre demanda poderia ser parte de um sistema com foco em pessoas risco elevado.

“Exigir que os médicos determinem o risco pode ser uma barreira para a PrEP e pode exacerbar as disparidades”, destacou, lembrando que dados de um estudo (Khosropour C) ainda não publicado, feito pela internet em 2014 em quatro estados americanos, mostrou que apenas 50% dos HSH têm um médico da atenção primária que sabe que eles fazem sexo com outros homens, sendo que a média de entrevistados por estado foi de 1549 homens. Esses dados suportam a ideia de que muitas vezes é difícil identificar os sujeitos que estão em alto risco para o HIV.

Atualmente, diz o Dr. Golden, “não há evidências de que pessoas em baixo risco para o HIV querem usar PrEP, mas há boa evidência de que aqueles que vão em busca de PrEP estão em risco”. De fato, um estudo feito no Brasil com 1187 homens que fazem sexo com outros homens, e mulheres travestis/transexuais que foram pré-rastreados para o estudo PrEP Brasil mostrou que 82,1% dos participantes estavam dispostos a usar PrEP[6].

O palestrante destacou ainda que a livre demanda é uma estratégia justificável, visto que “autonomia é o princípio mais elevado da ética médica”. Mas, segundo ele, embora a estratégia possa fazer sentido nos Estados Unidos, não é possível saber como ela funcionaria em outros países como, por exemplo, nações da África subsaariana.

Para a Dra. Beatriz, no contexto da saúde pública, implantar uma intervenção significa ser inclusivo. “Precisamos de estratégias práticas para alcançar aqueles que precisam de PrEP, incluindo mas não limitando isto à autorreferência”, disse.

Em locais onde há epidemia concentrada, segundo a especialista, a PrEP não deve ser ofertada por livre demanda, mas sim direcionada àqueles em risco elevado. Estudos de modelagem sugerem que o impacto e a custo-eficácia de PrEP serão maiores quando a terapia for usada por populações em maior risco de infecção, o que significa aqueles que têm incidência de HIV de três por 100 pessoas-ano ou maior[7].

A pesquisadora apresentou dados de um estudo feito no Brasil de custo-eficácia de uso de PrEP entre HSH e mulheres transgêneros em alto risco para infecção por HIV. A pesquisa da Fiocruz, realizada em parceria com instituições internacionais, cujos dados ainda não foram publicados, revelou que a expectativa de vida por pessoa sem PrEP foi de 20,7 anos contra 23 anos com PrEP. Essa estratégia mostrou-se custo-efetiva para HSH e mulheres transgêneros de alto risco em uma incidência de HIV de 4/100 pessoas-ano. Mas, se o PrEP for usado em uma população com incidência de HIV menor do que 1/100 pessoas-ano, ele não será custo-efetivo.

Em países de baixa e média renda, com epidemia generalizada de HIV, a pesquisadora defende estratégias práticas para alcançar os que precisam de PrEP. Ela afirmou ainda que o uso dessa terapia não é para toda a vida, pois o risco não permanece uniforme ao longo dos anos.

“É importante passar essa mensagem tanto para o profissional de saúde quanto para o usuário, ou a implementação de oferta por livre demanda pode perder essas nuances e levar à utilização inadequada do recurso”, disse.

Além disso, a pesquisadora lembrou que não há evidências de que a livre demanda aumentará a aceitação entre os indivíduos que estão em risco. Também é possível que essa estratégia seja percebida na comunidade como uma recomendação estigmatizante. Ao contrário, “se usada de forma apropriada, a PrEP pode fazer a diferença dobrando o freio da epidemia de HIV”, disse ela.